terça-feira, 10 de agosto de 2010

Capítulo publicado no Livro Formação de Professores: A Educação Física em Questão.

EDUCAÇÃO FÍSICA, EDUCAÇÃO E EAD: DESAFIOS NO CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DA UERJ


Marco Antonio Santoro Salvador
Prof. Adjunto da Faculdade de Educação UERJ
Prof. do Colégio Pedro II

Vanessa Oximenes Alves
Profª do Município de Duque de Caxias - RJ
Bolsista do consórcio UERJ/Cederj


RESUMO

O presente estudo promove reflexões sobre a viabilidade da disciplina Seminário de Práticas Educativas 1 no contexto de um currículo de Pedagogia. Projeto resultante da parceria entre a educação física e a educação, iniciada com a implementação do atual currículo do curso de Pedagogia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) na modalidade de educação a distância (EAD) em que os conhecimentos predominantemente da área da educação física passam a fazer parte do referido currículo por intermédio da disciplina denominada de Seminário de Práticas Pedagógicas 1. Tal disciplina constitui-se no estudo acerca da relação da educação com o corpo enquanto protagonista do processo de construção do conhecimento no espaço escolar e na consecução prática deste preceito balizador da disciplina. Realizada por intermédio da modalidade EAD denominada de semipresencial, Seminário de Práticas Pedagógicas 1 concentra os seus estudos nos jogos, nas dinâmicas corporais, nas atividades lúdicas e na corporeidade e nos convida à discussão sobre a subjetividade das expressões corporais tradicionalmente negligenciadas pela escola, que costuma adotar uma educação de características cartesianas que privilegiam apenas os aspectos racionais dos processo de construção do conhecimento. Concomitantemente ao processo pedagógico, são realizadas as oficinas lúdico corporais com os futuros professores do curso de Pedagogia em 11 pólos de atendimento pela UERJ nos diferentes municípios do Estado do Rio de Janeiro em parceria com as prefeituras. Tais oficinas possuem como objetivo colocar em prática todos os conhecimentos construídos nas aulas em EAD sobre a área de educação física escolar e de promover experiências corporais voltadas à prática pedagógica no cotidiano escolar com vistas à construção do conhecimento pautado nas múltiplas inteligências. Ao completar 5 semestres de experiência do referido projeto, sempre com turmas de 2º período do curso de Pedagogia, o projeto encontra-se na fase de conclusão de análises sobre a sua viabilidade e legitimidade no currículo do curso, por intermédio do processo de diagnose oferecido no início do cotidiano da disciplinada, da coleta de dados referentes aos resultados dos processos de avaliação dos alunos da disciplina e da reflexão sobre a produção das participações dos alunos envolvidos nos espaços síncronos e assíncronos na plataforma virtual do curso, por intermédio do Blog e do Fórum da disciplina. Idealizado, organizado e administrado por professores de educação física, tal disciplina tem como desafio construir relações entre os conhecimentos da educação física e da educação na formação do pedagogo nas séries iniciais e na modalidade de EAD.

Palavras-chave: educação física, educação, formação de professores, EAD.


Introdução

Este trabalho promove reflexões acerca do projeto que abarca a área da educação física e da educação na modalidade de Educação a Distância (EAD) e que teve origem com a implementação de uma disciplina no atual currículo do curso de Licenciatura em Pedagogia da UERJ na modalidade EAD e de sua viabilidade na constituição de tal currículo. Esta experiência relaciona-se à inovação na elaboração de uma disciplina que concentra estudos da área da educação física na escola, voltada para a compreensão teórica e da prática cotidiana do papel do corpo na educação, por intermédio dos jogos, das dinâmicas corporais e de atividades lúdicas, disciplina esta denominada de Seminário de Práticas Pedagógicas 1[1], cuja origem se deu pela necessidade de promover um currículo em que o corpo dos alunos se transforme em protagonista do processo de construção do conhecimento para a formação do pedagogo das séries iniciais. Entendendo este corpo como uma unidade humana na superação da concepção cartesiana, na qual há uma separação hierárquica entre conhecimento racional e experiências corporais lúdicas.
Tendo em vista que a disciplina Seminário 1 foi idealizada, organizada e protagonizada por professores de educação física com experiência escolar nas séries iniciais e como integrantes do grupo de pesquisa do LEAH (Laboratório de Estudos da Aprendizagem Humana) situado no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da UERJ, debate como, historicamente, o corpo tem se relacionado com a educação e apresenta propostas com pretensões transformadoras de tais concepções e práticas tradicionais e suas possibilidades na construção do conhecimento crítico dos alunos no cotidiano escolar, ministradas na formação de pedagogos no curso de modalidade em EAD.



Corpo x Educação: a escola enquanto espaço de reprodução de condutas sociais

A relação entre corpo e educação, historicamente, nunca possibilitou ao corpo um espaço privilegiado. Isso se deve ao fato de que, por fatores diversos, a escola sempre priorizou as experiências racionais em detrimento das corporais, por razão da significativa influência cartesiana (séc. XVII). Conforme afirma Gonçalves (1994):


Na escola, constatamos, assim, as características do processo civilizatório de formalizar as ações humanas, dissociando-as da participação corporal, de privilegiar as operações cognitivas abstratas, desvinculando-as de experiências sensoriais concretas, e de esquecer o sentido existencial do presente em função do futuro abstrato (p. 36).

As razões para isso fundam-se em fatores distintos, alguns dentre os quais apontados por Freitas (1999): a herança de culturas anteriores como a grega – na qual as atividades mentais eram mais valorizadas socialmente do que o trabalho braçal – e a romana – em que o corpo deveria ser disciplinado, administrado, mas não modificado; a influência do cristianismo, que atrelou ao corpo a idéia de pecado; os conceitos disseminados por Descartes no período Iluminista, que comparando o corpo a um conjunto mecânico, criou o antagonismo entre corpo e razão, atribuindo a esta última importância ímpar em detrimento do corpo, que por ela era comandado. Além destes, a autora cita também o capitalismo como um dos fatores de alienação do corpo e de sua ligação com a noção de utilitarismo.
Apesar de concordarmos com a posição da autora acima citada, percebemos que em uma visão contextualizada da história, o período iluminista e a influência cartesiana, apesar de criticadas sobre a dicotomização entre corpo e mente, foram conceitos essenciais na superação do período histórico da Idade Média e todo o seu arcabouço repressor dos conceitos científicos que afloravam na Europa na busca da evolução da humanidade por intermédio das intensas pesquisas científicas da época e a conseqüente supervalorização necessária da razão científica.
Corroborando com essa idéia, Tiriba (2008) afirma que:

No contexto de uma ordem capitalística em que o sentido principal do trabalho social é a produção e a acumulação de bens, a escola está ainda organizada de acordo com o pressuposto de que a razão pode decifrar a lógica interna da natureza. Isto explica que o objetivo fundamental do trabalho escolar seja o de desenvolver plenamente em seus alunos a capacidade racional para a compreensão e a submissão da natureza aos interesses do mercado... Há, em conseqüência, uma supervalorização do intelecto e desprezo pelo corpo (p. 4).

Assim, para muito além dos fatores históricos que estabeleceram uma dicotomia entre corpo e mente, é possível conceber a idéia de que, atualmente, é a lógica de produção e eficiência do sistema capitalista, a qual necessita de corpos dóceis e disciplinados trabalhando em função de seus objetivos, que determina o esvaziamento da importância do corpo no ambiente escolar.
Isso se explica pelas palavras de Oliveira (2006), que afirma que “... a escola, como instituição eminentemente moderna, traz consigo formas muito peculiares de tratar o corpo, modelando-o de acordo com os interesses civilizatórios” (p. 57). Tais interesses civilizatórios pressupõem uma negação do corpo, tendo em vista que este apresenta muitos riscos para a lógica de produção do sistema capitalista, que requer uma racionalidade tecnológica. Dessa forma, o corpo passa a ser uma possível ameaça ao que está instituído, pois é o corpo que vivencia o prazer e percebe que esta sensação pode ser constante, sem necessariamente termos que nos submeter a regras rígidas de um sistema, sem termos que violentar o prazer advindo de nosso corpo com vistas à adequação a uma conduta social desejável.  

Educação Física e Educação: o corpo como possibilidade de transformação das relações na escola e na sociedade

A função social da escola, apesar de representativa do sistema dominante, pode ser também a de um local de reflexões e mudanças que levem em conta à diversidade humana, que possa promover qualidade de vida para todos, respeitando as diferenças culturais de cada grupo social e construindo a condição para a vivência de uma  cidadania consciente, madura, coletiva e transformadora, como também as conseqüentes ações em busca de autonomia responsável e comprometida com projetos de qualidade de vida generalizados. Por intermédio das atividades corporais, experimentam-se de forma mais explícita as contradições e tensões sociais que possibilitem a superação social apontado na análise de Johnson (1990):

A constante pressão exercida pelos ideais, as formas do que há a nossa volta, a disciplina escolar e a organização do local de trabalho gradualmente reduzem a curiosidade sensual que trazemos de berço. Ao perder em flexibilidade, diminuímos nossa capacidade de perceber. Desconectados da consciência de nossas percepções tornamo-nos mais dependentes daqueles que supostamente sabem mais. Desde a mais tenra idade, somos ensinados que eles sabem mais do que nos, portanto o melhor é sermos crianças/estudantes/pacientes/cidadãos quietos, deixando que as autoridades comandem o espetáculo, mesmo que este tome a forma de uma histerectomia ou uma guerra nuclear. (Johnson, p. 128).

As conseqüências das relações vivenciadas na escola estabelecem formas dicotomizadas em “corpo e mente”, caracterizadas nas ciências cartesianas. É óbvio que sabemos da impossibilidade de separarmos um ser vivo desta forma, entretanto, o pensamento de Descartes (século XVII) ainda influencia de sobremaneira o pensamento científico da atualidade, caracterizando a concepção dominante do corpo como instrumento mecânico do pensamento. Esta concepção “naturaliza” as ações cognitivas dissociadas do corpo, resultando na limitação do espaço escolar para o corpo poder se expressar apenas nas aulas de educação física, como se os domínios afetivos e motores, ou melhor, categorias atitudinais e procedimentais não participassem da construção do conhecimento da todas as áreas de conhecimento e seus protagonistas.
Na medida em que a escola ainda mantém em sua estrutura a dicotomia entre corpo e mente, o conhecimento da área de educação física pode funcionar como um dos importantes instrumentos de transformação da concepção cartesiana na escola e de promover questionamentos sobre a “naturalização” de ações de competição exacerbada que regem o atual sistema social. Ao invés do professor promover jogos de cunho excludente e da citada competitividade exacerbada que, para alunos que possuem pouca maturidade motora para a realização plena destas atividades e passam a ter significado duvidoso de prazer, podemos construir jogos com regras combinadas por todos, resgatar atividades corporais da cultura local, promover danças e manifestações folclóricas de viés identitário de seus grupos sociais, jogos e brincadeiras de cunho cooperativo e atividades corporais em que construam em suas atividades conhecimentos das diversas áreas como a lógica matemática, o conhecimento espacial, as noções de tempo, os contextos históricos e sociais e maturidade afetiva e emocional.

A Educação Física poderá desenvolver a idéia de corporeidade como instrumento a ser exaurido em função de idéias de outra ordem, ou compreender o corpo como elemento básico humano que deve ser desenvolvido, construído e respeitado ao mesmo nível de todas as dimensões humanas. A educação física pode adotar uma filosofia que tenha como princípios o rendimento, a competição, e o confronto, onde a meta única e vencer para proclamar sua superioridade, ou então, desenvolver uma filosofia através da qual as atividades corporais são vividas como lazer, gesto, harmonia, arte e espetáculo. (Santim, 1987, P.52)

O cotidiano escolar nos aponta que os alunos se expressam corporalmente e que a construção do conhecimento se realiza em unidade e não dividido entre corpo e mente. Outra questão latente no espaço escolar é a integração dos alunos com os seus inúmeros espaços que a escola fornece. Nesse sentido, motivá-los a descobrir tais inúmeros espaços que a escola proporciona além da quadra de esportes e do pátio do recreio pode ser uma alternativa. O professor pode construir estratégias na superação de obstáculos que a escola reproduz em seu meio e educar para a vida também pelos movimentos, gestos, interpretações de músicas, pelas artes, no raciocínio lógico matemático, pelas noções de espaço e tempo, entre outras ações.
Em contraposição ao entendimento do corpo enquanto um instrumento de controle social, alguns autores entendem que o corpo é uma possibilidade de aprendizagem efetiva e transformadora, já que, “... o homem é seu corpo e, quando age no mundo, age como unidade” (FREITAS, 1999, p. 51). Ou seja, as ações humanas não estão apenas impregnadas de ideologia, mas sim são determinadas pelo indivíduo que interage com o mundo e constrói sua vivência. O corpo não é apenas algo que se move no mundo, mas sim que se move em direção a um objeto e, por isso, é um sujeito intencional.
É essa intencionalidade do sujeito enquanto corpo-unidade que pode ser um instrumento para transformar as relações no espaço escolar e, em uma relação dialética, as relações na sociedade. É aprendendo através de seu corpo que o homem é capaz de se libertar das condutas sociais que determinam as relações na escola. Isso por que

Aprender vai muito além do que armazenar conteúdos. Implica em experimentar, vivenciar, dar função e contextualizar os diferentes conteúdos formais ou não que são apresentados dentro de um contexto escolar e através das relações inter-humanas (SALVADOR, 2007, p. 249).

Em outras palavras, há que se considerar no processo de aprendizagem, para além do simples conhecimento transmitido em sala de aula, os conhecimentos que são construídos por meio das relações humanas, não só na sala, mas em cada espaço da escola, e que não devem ficar restritos às aulas de educação física, já que o corpo não é corpo só nesse momento, mas em cada momento singular em que interage no mundo e com os outros. Práticas corporais como as que ocorrem no recreio ou nos momentos de entrada e saída da escola poderiam ser momentos de suma importância para o processo educativo (OLIVEIRA, 2006).
A dinâmica escolar é significativamente forjada nas inter relações entre os seus protagonistas como alunos, professores, funcionários, coordenação, entre outros. Portanto, a escola necessita de se sensibilizar para o fato de que os aspectos da construção do conhecimento superam a simples lógica entre o ensinar e o aprender. Um cotidiano escolar pautado no diálogo, na construção coletiva, no respeito às diferenças, na confiança mútua e nos aspectos emocionais de autoestima tende a ser um espaço favorável a novas e criativas idéias no avanço da qualidade de vida desta sociedade.
É nesse sentido que Salvador (2007) afirma que o afeto é

... um dos aspectos de maior importância durante o processo de ensino e de aprendizagem. Por seu intermédio se constrói a possibilidade de estruturar vínculos e de fazer com que o aluno possa desejar aprender e construir seus conhecimentos, de fazer suas conexões e de se sentir capaz de produzir reflexões e saberes (p. 247).

      É crucial que os professores redimensionem as suas ações para além do processo cognitivo, procurando oportunizar vivências que se relacionem a sentimentos como solidariedade, cooperação e respeito, o que permitiria uma melhor administração do espaço escolar bem como na coordenação das diversas capacidades e de maturidade dos alunos por intermédio da administração e encaminhamento profissional de suas frustrações e de seus limites, bem como um processo de aprendizagem crítico e contextualizado acerca dos limites da coletividade, em busca de um bem comum e de conhecimentos voltados para a qualidade de vida.
     
A EAD no curso de Licenciatura em Pedagogia da UERJ

No que diz respeito à EAD no Estado do Rio de Janeiro, os autores apontam como motivação para a criação do consórcio CEDERJ – Centro Universitário de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro – a dificuldade que os alunos de municípios do interior encontravam para se deslocar para os grandes centros, bem como a oferta insuficiente de vagas nos cursos de graduação de seus municípios e a carência de professores para essas áreas. Tais demandas desencadearam significativas discussões e intensos debates nos espaços acadêmicos que desencadearam uma posterior ação do Governo do Estado que a partir do ano de 1999, constrói a formação do consórcio CEDERJ, formado pelas universidades públicas sediadas no Estado (UERJ, UFRJ, UFF, Unirio, UENF e UFRRJ). O consórcio CEDERJ está vinculado à Fundação CECIERJ – Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro – uma autarquia criada em 2002 para atender à demanda operacional dos cursos do consórcio CEDERJ[2].
Após a formação do consórcio, coube às Faculdades de Educação da UERJ e da Unirio uma parceria na tarefa de construir o curso de Pedagogia das Séries Iniciais do Ensino Fundamental.
 Investigando as ementas das disciplinas, os objetivos e os conteúdos do currículo de tal curso, é possível constatar que este apenas abordava a questão do corpo por intermédio de uma disciplina do 6º período denominada Corpo e Movimento na Educação. Analisando o conteúdo da disciplina e seu cotidiano semestral, observou-se que os conhecimentos acerca da área de corpo na educação restringiam-se a 3 volumes de livro didático a ser equacionado pelos alunos em módulos semanais.
Apesar de observar que os conteúdos contidos no livro didático abordavam tal temática, esta se mantinha limitada aos conceitos psicomotores e algumas inserções na área escolar. As metodologias de ensino e aprendizagem limitavam-se à leitura individual e a distância e por avaliações periódicas de mensuração do conteúdo supostamente apreendido. Portanto, apesar de haver uma postura relativamente crítica no programa da disciplina Corpo e Movimento no currículo do curso de Pedagogia, a estrutura montada para a disciplina no curso produzia pouco aprofundamento do questionamento do corpo e as suas relações com a escola e a sociedade. A reprodução, mesmo que com uma roupagem nova, produzia a manutenção de uma importância secundária no processo de aprendizagem.
Na análise dos conteúdos dos módulos observamos que tais críticas da secundarização do corpo na escola são limitadas e insuficientes, visto que, apesar do questionamento acerca de uma educação dicotomizada em corpo e mente, mantinham em seu núcleo metodológico os mesmos conceitos reprodutores de uma educação cartesiana em que o corpo figura como coadjuvante e funciona como uma espécie de suporte do conhecimento racional. Como exemplo citamos o processo de avaliação estabelecido em que se exigia o conhecimento apreendido apenas por intermédio de avaliações pontuais e de caráter teórico em relação aos conteúdos.
Posteriormente, com a implementação do novo currículo de Licenciatura em Pedagogia, uma proposta de inclusão de uma disciplina com características diferenciadas no currículo permitiu a abordagem do corpo de uma forma pretensiosamente mais crítica além da disciplina Corpo e Movimento na Educação: a entrada de um rol de disciplinas denominadas de Seminários de Práticas Pedagógicas, que teriam início em Seminário 1 e se estenderiam até Seminário 7, sendo realizadas respectivamente do 2º período até o 8º período (no momento, o curso de Pedagogia em EAD está experimentando a disciplina Seminário 5)[3].


Seminário 1: desafios da viabilidade da Educação Física no curso de formação em Pedagogia EAD

As motivações que levaram à concepção da disciplina Seminário 1 residem na necessidade de complementar o currículo de formação de professores com conhecimentos da área da educação física escolar e vivenciadas metodologicamente de forma crítico/transformadora. Foi assim que surgiu o projeto da disciplina (2008), cujos objetivos são:

·        Refletir sobre a corporeidade e as novas tecnologias no espaço escolar.
  • Analisar o conceito de corpo e suas ações na escola e na sociedade.
  • Apresentar a questão da corporeidade na história, na antropologia e na educação.
  • Refletir sobre as influências culturais e midiáticas no corpo do aluno em fase escolar.
·        Construir conexões entre corpo, movimento e educação inclusiva.
·        Compreender a importância do jogo, do brinquedo e da ludicidade na construção do conhecimento.
  • Oportunizar o entendimento do sujeito por completo, contextualizado em sua plenitude de sua corporalidade na cultura, na política e em seu meio social.
  • Refletir sobre os movimentos e gestos corporais enquanto expressões da cultura e do período histórico-social;
  • Refletir sobre o papel do educador como mediador da cultura sócio-corporal.

A fim de contemplar tais objetivos, a disciplina se construiu com base na formação de uma equipe de professores de educação física com experiência em escola, composta por coordenador pedagógico/administrativo, por uma tutora a distância, responsável pela administração da plataforma virtual, e por três tutores presenciais/itinerantes. “É o tutor que aproxima o aluno dos conteúdos do curso ministrado e do próprio ‘conteúdo tecnológico’, necessário ao trânsito autônomo em ambientes virtuais de aprendizagem” (VILLARDI & OLIVEIRA, 2005, p.108). Tais tutores denominados de itinerantes trabalham mensalmente em onze pólos da UERJ em parceria com as prefeituras para a realização da denominada oficina lúdico corporal, em que os alunos do curso de Pedagogia participam, no turno da manhã, de palestras, apresentações e debates com discussões relacionadas à importância do corpo no processo educativo e, no turno da tarde, das vivências corporais coletivas que contemplam os temas debatidos tanto no turno da manhã, quanto através do Fórum de discussões acadêmicas e do Blog com um caráter mais informativo e amplo no cotidiano da disciplina.
A participação na oficina lúdico corporal configurou-se como um dos requisitos para o processo de avaliação da disciplina. Além da participação efetiva das oficinas, o aluno deve demonstrar conhecimentos acerca de textos disponibilizados na plataforma sobre a temática, participação no fórum e no blog e locação de filmes indicados que corroboram com as idéias da disciplina seminário 1, relacionados à questão do corpo, a construção do conhecimento e sua relação com a educação. Além de tais ações pedagógicas em todo o processo semestral, os alunos são instigados à produção e à reflexão dos conhecimentos construídos por todos os envolvidos através do Fórum da disciplina disponibilizado na plataforma virtual e da participação no Blog sobre as experiências vivenciadas nas oficinas corporais em relação as suas experiências na vida acadêmico/profissional. Finalmente, o processo de avaliação é concluído com a elaboração de um relatório individual em que o aluno constrói análises sobre tudo o que foi proposto. A criação do Blog[4] é mais um veículo de construção do conhecimento do cotidiano da disciplina, no qual os alunos participam com a inserção de fotos e vídeos das oficinas e a continuidade dos debates sobre as vivências experimentadas na busca de uma educação reflexiva e continuada. Ainda acerca das interfaces utilizadas por Seminário 1 no Fórum, professores e alunos debatem diversos assuntos sobre a temática, por intermédio dos textos acadêmicos disponibilizados e com utilização metodologicamente orientada pelo grupo de tutores no processo cotidiano de aula.

Análises preliminares do projeto por intermédio dos dados obtidos na pesquisa no cotidiano da disciplina

Assim sendo, tendo se configurado como uma disciplina diferenciada das demais, Seminário 1 possui um processo de avaliação dos alunos distinto das demais disciplinas, no qual a aprovação não se constrói por meio da atribuição de notas, mas sim por um processo diagnóstico da experiência da viabilidade de tal parceria entre a educação física e a educação, na modalidade EAD.
Este processo, resultante de uma longa negociação junto aos órgãos didáticos gerenciadores do projeto que a princípio resistiram muito em relação aos novos conceitos e práticas, pois a prática de Seminário 1 propunha uma superação do viés cartesiano tão criticado, entretanto paradoxalmente praticado no cotidiano das disciplinas do curso. Portanto, o diagnóstico proposto inicia-se com preenchimento de um questionário com objetivos a diagnose, desenvolvendo análises dos alunos sobre as expectativas do curso, do seu conhecimento em educação a distância, de conceitos sobre a educação e a corporeidade e também do seu perfil social e acadêmico.
 O processo é contínuo e se constrói ao longo do cotidiano do semestre com produções teórico/práticas dos alunos envolvidos e que são coletadas, analisadas, categorizadas e avaliadas pela equipe de tutores da disciplina. O material acadêmico produzido pelos alunos, bem como o controle e análise das presenças e participações nas oficinas lúdico corporais são desafios em que a equipe de Seminário 1 atualmente desenvolve a pesquisa por intermédio de análises e reflexões sobre a viabilidade e legitimidade da disciplina no currículo de Pedagogia em EAD.      
Os dados fornecidos pelos alunos por intermédio das fontes citadas apontam, mesmo que ainda de forma incipiente, para conclusões preliminares de que o curso de Pedagogia necessita de uma inclusão cada vez maior da discussão sobre o processo de construção do conhecimento, da abordagem das inteligências múltiplas em tal processo, da significativa carência de prazer e de ludicidade claramente descritos pelos alunos na construção do curso e da rigidez curricular que limita o aluno do curso de Pedagogia à esfera do conhecimento racional, ainda influenciado pelo viés cartesiano.
Apesar de ainda incipientes, tais análises sobre a produção acadêmica dos alunos em Seminário 1 também apontam para o distanciamento do processo de ensino e aprendizagem curricular e a prática cotidiana do magistério, pois existe um percentual significativo dos alunos do curso que trabalham no magistério em seus municípios e que descrevem diferenças significativas entre a produção do conhecimento acadêmico no curso e as práticas pedagógicas no cotidiano das escolas.
Outros fatos possíveis de análises preliminares dos dados coletados, mesmo que não conclusivos, são da ordem de dois vieses:
o primeiro viés diz respeito à pequena intervenção das ações dos alunos no mundo virtual na educação a distância. Apesar de entenderem e administrarem satisfatoriamente os conhecimentos da prática da Web e de suas ferramentas de trabalho, os alunos ainda participam de forma tímida nos espaços promovidos pela dinâmica da disciplina Seminário 1. Tal fato, de acordo com a diagnose inicial do curso, aponta possivelmente para uma cultura educacional ainda divorciada do cotidiano entre o real e o virtual que os alunos possuem da tradição pedagógica.
O segundo viés analisado preliminarmente por intermédio dos processos de análise delimitados na pesquisa se desenvolve no campo do compromisso e do crédito que a Educação a Distância possui com os alunos sobre a questão em relação ao suposto fracasso e o desestímulo da educação presencial que evidenciamos nas últimas décadas, e que são transmitidos para o campo virtual, pois, de acordo com as informações, as mazelas e limites apontados pelos alunos em relação a temática pesquisada sobre a corporeidade no ensino presencial recaem na percepção de um cotidiano escolar conservador na manutenção do seu status cartesiano nas experiências presenciais.
Por outro lado, é notório que existem dentre os alunos significativas expectativas quanto as mudanças metodológicas no campo da educação em relação as experiências em EAD comparadas as metodologias desgastadas da educação presencial. Portanto, estamos experimentando, no mínimo, expectativas de mudanças dos paradigmas da educação, fruto de longas décadas de previsibilidade e da falta de ludicidade no campo da educação presencial e, de certa forma romântica, uma esperança na mudança significativa dos parâmetros do processo educacional tradicional por apenas estar sendo construída e administrada por intermédio de uma educação virtual. Nesse sentido, o desafio se instala na reconstrução metodológica da construção do conhecimento e das novas possibilidades de construção de autoria coletiva, ao invés do ensino hierarquizado e linear do espaço presencial. As condições de ensino e aprendizagem construídos em rede pelo mundo virtual, exatamente por suas características peculiares, pode promover a construção do conhecimento da forma que almejamos sobre processos de mudanças das realidades acadêmicas.
Atualmente o projeto da disciplina Seminário 1 encontra-se em fase de análise de questionários que foram aplicados aos alunos envolvidos no início do processo, em que ainda não haviam experimentado os contatos com os conceitos e as dinâmicas da disciplina e posteriormente outro questionário ao término do processo da disciplina, em que buscamos investigar quais mudanças puderam ser efetivadas tanto nos conceitos sobre a corporeidade dos alunos na educação, quanto nas suas práticas cotidianas nos espaços escolares aos quais já possam intervir como educadores profissionais ou como estagiários das outras disciplinas do curso.    


Considerações Preliminares do Projeto
           
Seminário 1 tem demonstrado que é viável uma disciplina de EAD no curso de Pedagogia na modalidade semipresencial (EAD) que aborde os conhecimentos da área de educação física no processo da construção do conhecimento. A disciplina Seminário 1 é uma experiência de parceria entre a educação física e a educação na formação de pedagogos em EAD com objetivos de superação da tendência instrucionista ou conteudista da pedagogia, que enfatiza conteúdos supostamente neutros, de aprendizagem mecânica, corporalmente estáticos na valorização de didáticas instrumentais e na priorização de conhecimentos teóricos e técnicos sobre o fazer pedagógico, com avaliações obsoletas (VILLARDI & OLIVEIRA, 2005).
È nesse prisma que se fundamenta a proposta de Seminário 1, mantendo tal continuidade ao trabalho que vem sendo realizado no curso de Licenciatura em Pedagogia EAD (UERJ) e aos estudos acerca das possibilidades que se apresentam para uma educação a distância de qualidade, que oportunize um espaço valioso para a compreensão do corpo, dos jogos e da ludicidade como elementos indispensáveis a uma educação comprometida com algo que transcende a simples transmissão conteudista de conhecimentos, mas sim, objetiva a construção do conhecimento crítico, contextualizado e em rede na busca da formação de qualidade do curso de Pedagogia em EAD da UERJ.
Temos claro que as mesmas mazelas acumuladas de tantas décadas na educação não se esvaem apenas por estarmos no ambiente virtual de aprendizagem. Mais que nos modificarmos em relação à construção do conhecimento por outras formas de ação pedagógica, é necessário modificarmos os conceitos da educação e da formação de professores. A competência técnica necessita estar atrelada ao compromisso social e ao entendimento de que conhecimento deve ser desenvolvido para a qualidade de todos e a democratização da vida.
O curso de Pedagogia vem experimentando significativas mudanças em seu currículo e de suas práticas cotidianas. Nesse sentido, possuímos a concreta percepção, através dos dados coletados, de que estamos protagonizando na disciplina Seminário 1 tais conexões entre o real e o virtual na formação de uma educação crítica e transformadora das realidades da educação no consórcio UERJ/CEDERJ no Estado do Rio de Janeiro. Os desafios que envolvem a educação e a educação física no curso de pedagogia, mesmo que intensos e imensos, nos proporcionam oportunidades de experimentarmos um processo contextualizado na interrelação de áreas tão próximas e tão similares, mas que tradicionalmente se mantém distantes pelo conceito cartesiano pedagógico que insiste em construir conhecimentos em compartimentos isolados e, portanto, dissociados da própria dinâmica de construção da vida.


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[1] A disciplina Seminário de Práticas Pedagógicas 1, será denominada em todo o texto de “Seminário 1”.
[3] Atualmente, as disciplinas do grupo dos “seminários de Práticas Pedagógicas” que possuem mesmo viés pedagógico crítico corporal são denominados de 2, 3, 4 e 5, respectivamente nas seguintes áreas de conhecimento: Artes; Matemática; Informática e História.

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